Compostagem de acácia com casca de pinheiro

Introdução

As crescentes limitações na exploração da turfa, por razões ambientais, fundamentam a procura de materiais orgânicos alternativos para a produção de substratos, incluindo os produtos resultantes da compostagem de biomassa vegetal. Apesar dos compostados de casca de pinheiro serem considerados uma boa alternativa, o seu custo tem aumentado, o que justifica a procura de outros materiais para este fim.

A casca de pinheiro (Pinus pinaster Ait.) é constituída principalmente por lenhina (33% do peso seco), polifenóis (11%), celulose (24%) e hemicelulose (15%) (Fradinho et al., 2002), sendo principalmente incinerada para produção de energia ou utilizada em arranjos paisagistas. A casca de pinheiro é uma alternativa à turfa porque confere propriedades semelhantes às misturas na formulação de substratos. A casca de pinheiro é um material barato mas que tem de ser triturado / moído, e crivado (< 2 - 3 cm) e compostado porque a casca fresca possui taninos, resinas, fenóis, terpenos e outros compostos que podem ser fitotóxicos.

Neste estudo examinou-se o processo de compostagem de detritos triturados e crivados de Acacia longifolia misturada com detritos de casca de pinheiro com os objetivos específicos de quantificar as transformações físico-químicas desta biomassa em compostagem, modelar a decomposição da MO, avaliar os efeitos do revolvimento no processo, e determinar se é possível produzir um compostado com características benéficas para utilização como corretivo orgânico do solo e componente de substratos hortícolas, isento de sementes viáveis de acácia. As características dos materiais originais encontram-se descritas na Quadro 1.

Quadro 1. Teor de humidade, (H), valor de pH, condutividade elétrica (CE), razão C/N e teores de nutrientes (expressos em relação à matéria seca) de resíduos de acácia e de casca de pinheiro (média e desvio padrão, n=8)

Parameters

Acacia

Casca de pinheiro

H (g kg-1)

425±19

631±5

pH

5,8±0,2

7,1±0,1

CE (dS m-1)

1,0±0,1

0,5±0,1

C/N

43±3

74±5

MO (g kg-1 MS)

878±51

823±13

N-NH4+ (mg kg-1 MS)

96±20

652±59

N-NO3 - (mg kg-1 MS)

2±0,3

4±0,3

N (g kg-1 MS)

11,3±0,1

6,2±0,4

P (g kg-1 MS)

0,25±0,02

0,94±0,07

K (g kg-1 MS)

5,5±0,6

5,8±0,9

Ca (g kg-1 MS)

6,5±1,5

13,4±0,5

Mg (g kg-1 MS)

1,03±0,39

0,80±0,09

Fe (g kg-1 MS)

0,94±0,38

1,66±0,18

 

 

Materiais e métodos

Utilizaram-se resíduos triturados (< 80 mm) da limpeza de acácia (mais de 80% de Acácia longifolia e o restante de Acácia dealbata e urze) misturados com uma pré-mistura com base em resíduos de casca de pinheiro. Esta pré-mistura é preparada pela Leal & Soares com a seguinte formulação: Casca de pinheiro, pó e entrecasca de pinheiro, restos das crivagens de pilhas de compostagem de resíduos de pinheiro anteriores, e com 2 kg de ureia (46% de N) e 4 kg de mármore branca moída (com valor neutralizante equivalente a 90% de carbonato de cálcio), por metro cubico de mistura. A pré-mistura possuía partículas <15 mm. Os detritos foram triturados com uma trituradora de alta rotação com moinho tipo martelos (Doppstadt; AK 403 Profi), e posteriormente crivados com um crivo de estrelas amovível (Neuenhauser Super Screener Portable Star Screen).

As pilhas de compostagem foram construídas em 30 de Novembro de 2011 em Mira (40º25’N 8º44’W), sobre uma camada de casca de pinheiro com aproximadamente 30 cm de altura, e foram monitorizadas durante todo o ano de 2012, até Março de 2013, sendo uma pilha revolvida seis vezes (A) e outra apenas três vezes (B). As pilhas foram constituídas por 60% em volume com detritos das acácias e 40% de resíduos da casca de pinheiro. No entanto, esta proporção, em peso fresco e em peso seco, foi diferente. A proporção, em peso fresco, foi 34% de acácia e 66% de pinheiro, enquanto em peso seco foi 44% e 56% respetivamente. A densidade dos resíduos de acácia triturada fresca (185 kg m3), calculada pela Norma EN 12580 (CEN, 2001b), foi inferior à da pré-mistura (549 kg m3), e o teor de humidade (42%) dos resíduos acácia foi também inferior ao da pré-mistura (66%). As pilhas construídas possuíam grandes dimensões (≈100 m3, 8 m de diâmetro da base e  >3 m de altura). A dimensão das partículas foi inferior a 2 cm para os resíduos de casca de pinheiro, mas com partículas mais compridas (<8 cm) de resíduos de arbustos de acácia.

Durante os revolvimentos, realizados com uma grua florestal e uma pá frontal de um trator, impediu-se a entrada de qualquer matéria mineral do exterior para o material em compostagem. A pilha A foi revolvida aos 35, 98, 147, 203, 266, 336 dias após o início da compostagem, enquanto a pilha B foi revolvida apenas aos 98, 203 e 336 dias de compostagem. Realizaram-se 22 colheitas de quatro amostras por cada pilha, ao longo do período de compostagem, recolhidas em quatro pontos distintos do centro das pilhas desde 30 de Novembro de 2011 até Março de 2013. As amostras de cada data foram analisadas individualmente. O registo das temperaturas e os métodos analíticos utilizados nesta experiência foram idênticos aos descritos na experiência anterior (capítulo 1.1.2).

Resultados e discussão

Inicialmente, as temperaturas das pilhas de compostagem aumentaram até uma temperatura máxima de 73ºC, alcançada no topo das pilhas A e B, respetivamente dezasseis e nove dias após o início da compostagem (Figura 6). Trinta e cinco dias após o início de compostagem, a pilha A foi revolvida. Após a queda inicial, a temperatura subiu novamente de forma constante até valores termófilos (> 55ºC) no prazo de 4 dias, atingindo o pico (74ºC) no topo da pilha, duas semanas depois do revolvimento. Após o segundo revolvimento da pilha A e primeiro da pilha B, que ocorreu aos 98 dias de compostagem o tempo necessário para atingir temperaturas máximas foi superior na pilha A do que na pilha B, revelando um teor inferior de MO facilmente biodegradável na pilha que fora revolvida anteriormente. Após o dia 203, depois de revolver ambas as pilhas, as temperaturas foram superiores na pilha B, onde se alcançaram temperaturas superiores a 64ºC na parte superior da pilha, porque haveria mais MO facilmente biodegradável nas camadas exteriores da pilha B que foi menos revolvida. O mesmo se verificou após o último revolvimento efetuado aos 336 dias de compostagem, após o qual temperaturas diminuíram em ambas as pilhas. As condições de temperatura nas pilhas de acácia satisfizeram o requisito sanitário para os compostados, equivalente a 55 °C durante ≥ 15 dias, já que as temperaturas foram mantidas entre 65ºC e 75ºC durante vários meses, indicando uma elevada quantidade MO biodegradável.

O teor inicial de humidade nas pilhas foi de 562 g kg-1 e a compostagem decorreu com uma humidade adequada para a atividade microbiana (Figura 7). O pH do material em compostagem variou entre o mínimo de 6,1 registado na pilha B e o máximo de 7,4 na pilha A mas sem variações consistentes durante o processo de compostagem.

As perdas de MO (620 e 601 g kg-1 da MO inicial) revelaram duas fases diferentes de degradação da MO. A primeira fase (aproximadamente 4 semanas) foi indicativa da rápida decomposição do substrato facilmente biodegradável e de uma taxa muito elevada de atividade microbiana. A segunda fase mostrou um ritmo mais lento de degradação da MO, quando permaneciam apenas os substratos mais resistentes à biodegradação. O modelo [5] revelou um melhor ajustamento aos resultados das perdas de MO (valores de r2 de 0,95 e 0,96 respetivamente para a pilha A e B) do que o modelo [4] (valores de r2 de 0,81 e 0,63 respetivamente para a pilha A e B). Estas perdas (Figura 8) revelaram e existência de dois reservatórios de MO biodegradável, ambos com uma fração da MO mineralizável total semelhante, mas com taxas muito distintas de mineralização.

A diferença nas taxas de mineralização dos dois reservatórios de MO na mistura de detritos de acácia e casca de pinheiro, provavelmente resulta da presença simultânea das folhas de acácia mais facilmente biodegradáveis (primeiro reservatório) e de material lenhoso dos ramos da acácia e da casca de pinheiro, com maior razão C/N e maior resistência à degradação (segundo reservatório). Isto poderá fundamentar que o modelo de degradação da MO (e consequentes perdas de CO2) destes materiais, melhor adaptado aos valores observados, fosse aquele que considerou dois reservatórios distintos. O que está de acordo com o que tem vindo a ser descrito na literatura desde a década de 1970. Parnas (1975), por exemplo, considerava as substâncias que continham azoto como constituinte molecular, como proteínas e ARN, os quais denominava de compostos C-N (com C1 representando a massa do carbono deste reservatório), e as substâncias que não continham azoto, como celulose e amido, denominando estas de compostos C (com C2 representando a massa do carbono deste reservatório). Hunt (1977) também dividiu a matéria orgânica em decomposição em dois componentes. Contudo, para este autor, o reservatório facilmente mineralizável compreendia açúcares, amido e proteínas, enquanto o outro reservatório, de matéria orgânica resistente à decomposição, compreendia moléculas como celulose, lenhina, gorduras, taninos e ceras. Nos materiais utilizados neste estudo, é provável que o primeiro reservatório se associasse principalmente aos açúcares e proteínas das folhas da acácia, e o segundo à celulose e hemicelulose dos ramos de acácia e da casca de pinheiro, e alguma lenhina, cuja decomposição produz polifenóis e hidratos de carbono que são percursores de substâncias húmicas (Serramiá et al., 2010).

Considerando a taxa de mineralização de aproximadamente 750 g kg-1 de MO inicial registada para as pilhas da experiência anterior, que só incluíram detritos de acácia, e de aproximadamente 610 g kg-1 de MO inicial registada nestas pilhas, conclui-se que a taxa de mineralização da acácia foi muito superior à da casca de pinheiro.

Quando se comparam as perdas de N de ambos os reservatórios, verificou-se uma tendência semelhante à da MO, sendo as perdas muito mais relevantes nas primeiras semanas de compostagem, em paralelo com a degradação mais rápida da MO. O que significa que as perdas de N foram muito elevadas na primeira fase da compostagem e mais reduzidas na segunda fase da compostagem, devido ao ataque microbiano mais lento à MO remanescente, onde predominaria celulose e lenhina em partículas de maior dimensão. As perdas de N não variaram significativamente entre as pilhas A e B (respetivamente 469 e 453 g kg-1 do N inicial).

O teor de N total aumentou de valores iniciais de 8,5 g kg-1 de MS para valores finais de 9,5 g kg-1 na pilha A e 9,4 g kg-1 na pilha B, após 455 dias de compostagem. A razão C/N diminuiu de valores iniciais de 56 no início do processo para valores finais de 40 e 41, respetivamente, para as pilhas A e B. O teor de N mineral (N-NH4+ + N-NO3-) foi muito reduzido durante o processo de compostagem, com exceção do N-NH4+ na primeira semana de compostagem em que foi superior a 100 mg kg-1 MS. O teor de N-NO3- foi sempre inferior a 10 mg kg-1 MS até aos 231 dias de compostagem, aumentando ocasionalmente desde então até ao final da compostagem.

No final da compostagem, a concentração de N-NO3- ultrapassou a concentração de N-NH4+ em ambas as pilhas, sendo a razão N-NH4+ / N-NO3- de 0,28 na pilha A e 0,96 na pilha B no último dia do período de compostagem avaliado. O compostado A avaliado neste trabalho alcançou, portanto, uma razão N- N-NH4+ / N-NO3- inferior aos valores indicativos para uma boa maturação. Enquanto o compostado B, que foi menos revolvido, poderia carecer de um período ainda mais longo de maturação.

As concentrações de nutrientes na biomassa de acácia aumentaram aproximadamente para o dobro nos compostados finais (Figura 9) em comparação com os materiais iniciais, em paralelo com a degradação da MO e respetivas perdas de massa, exceto para o N que foi sujeito a perdas mais elevadas que os restantes nutrientes.

Conclusões

Os detritos de acácia moídos e crivados misturados com detritos de casca de pinheiro possuem uma biodegradabilidade e uma estrutura que permite a sua compostagem efetiva, com bom arejamento, como revelaram as temperaturas termófilas que foram atingidas logo após a construção das pilhas e que permaneceram acima de 60 ºC por um período suficientemente longo para satisfazer os critérios mais rigorosos para inativação completa de agentes patogénicos. As perdas de matéria orgânica (600-620 g kg-1 de MO inicial) foram superiores às perdas de N (453-469 g kg-1 de N inicial) e assim a razão C/N diminuiu de um valor inicial de 56 para valores finais de 40 e 41, respetivamente para a pilha com maior e menor frequência de revolvimento. Considerando a taxa de mineralização para as pilhas que só incluíram detritos de acácia, com a taxa de mineralização que se verificou nestas pilhas, conclui-se que a taxa de mineralização da acácia foi muito superior à da casca de pinheiro.

Este estudo mostrou que o compostado maturado pode ser obtido com material de acácia com um número reduzido de revolvimentos das pilhas, após 455 dias de compostagem, como revela a descida das temperaturas de compostagem, a estabilização na degradação da MO, a diminuição da razão C/N e o aumento do teor N-NO3- nos compostados finais em comparação com o teor de N-NH4+. Além de estabilização da MO e da higienização do compostado de resíduos de acácia, os resultados indicaram que a compostagem de acácia com casca de pinheiro pode produzir corretivos do solo ricos em MO e com uma baixa CE sendo, no entanto, necessário um longo período de compostagem e maturação dos compostados finais.